O rabogésimo do triathlon

As dificuldades que os praticantes de triathlon na cidade de Santos, encontram quando saem para treinar na modalidade de ciclismo
09/11/2002

Luiz Antonio Domingues Filho

Os triatletas que competem apenas para terminar a prova, e que chegam em geral nas últimas colocações, são os que mantêm o esporte vivo. A eles dedico esse texto.
Geralmente, quando termino um triathlon, olho no meu relógio o tempo total e os parciais de cada modalidade e fico na expectativa de minha colocação geral e na categoria, pois a todo instante serei abordado para responder as mesmas perguntas, feitas por outros colegas: qual foi a sua colocação no geral? E na categoria? Qual o seu tempo? E assim por diante. E para disfarçar minha aflição de sucesso ou não, digo fui o “rabogésimo” e ponto final.
Num país, onde ser o primeiro colocado é fundamental, imagine uma prova de triathlon, que tenha 500 participantes e você termina em vigésimo quinto lugar na geral, basta para ser motivo de inúmeras piadas. Agora, deixe-me perguntar para esses que se acham feras no triathlon: alguma vez você já pensou no cara que terminou em 499º lugar, por exemplo? Não? Esses atletas sempre existirão, para felicidade geral do esporte e dos outros competidores.
Todo atleta iniciante ou intermediário não tem noção do esforço, ritmo e tamanho da prova, apenas da motivação para o desafio, que é apenas terminar a prova. Isso ninguém entende.
Nas primeiras provas, a afobação vai dando lugar ao cansaço, pois os treinos do triathlon são diferentes dos treinos de natação, ciclismo ou de corrida isolados. E isso a gente só entende mais tarde, quando a cabeça pensa de um jeito e o corpo responde de outro, durante a competição. E você vai sendo ultrapassado por gente de varias idades e sexo, o tempo vai passando e parece que a distancia para você é maior de que estava no programa, mas aí você olha ao seu redor e percebe uma porção de triatletas lá atrás e isso te motiva de certa maneira. Por causa disso, tenho pensado muito nos atletas que estão iniciando e que são considerados “lentos” ou “devagar quase parando”, afinal já fui um, e sei como é. Foi quando cheguei às seguintes conclusões:
Primeiro – O triatleta amador “lento” ou “devagar quase parando”, tirando os cincos primeiros colocados de cada categoria, não recebe o devido respeito, nem uma linha da imprensa. Vale lembrar que somos 90% do esporte e pagamos 90% das inscrições. Veja por este lado: se todos nós, amadores, não competíssemos, em que lugar você acha que ficaria? Certo, em ultimo! Como você iriam encarar isso? E os outros efeitos? Os organizadores não teriam tantos competidores e, portanto, teriam que aumentar o preço das inscrições que estão muito caras por sinal ultimamente. Os staffs iriam ficar chateados e entediados em bater palmas por somente alguns minutos em vez de horas sem parar, pois haveria apenas as feras do triathlon. E como ficariam as empresas de materiais esportivos que descobriram esse novo filão de vendas?
Segundo – A mentira do “parabéns”, dada pelos triatletas da sua categoria ou não, como forma de agradecer discretamente a sua colocação atrás da dele, pois, sem sua presença, ele não poderia parecer tão bom junto à esposa, marido, namorado (a) e amigos.
Terceiro – É na categoria amador que está o “nadador prego”, o “ciclista de velocípede” e o corredor sem técnica, por isso somos os maiores consumidores de materiais esportivos e tudo que possamos fazer para melhorar o nosso tempo. Mesmo assim, dificilmente teremos um patrocinador ou apoio para aliviar nossas despesas. E isso quando não somos nós que pagamos a conta.
Quarto – As vantagens de ser um triatleta amador “lento” ou “devagar quase parando”, são as seguintes: na natação, se você sai atrás do grupo, você nunca é chutado, socado ou empurrado numa saída tipo “liquidificador”, e pode nadar tranquilamente. Depois, na transição, é sempre mais fácil achar sua bicicleta, e quando começa a pedalar, você nunca erra o caminho, pois nunca estará liderando. E se for o ultimo na corrida, terá a companhia de uma moto ou carro! Finalmente, não há fila para água ou frutas, pois todo mundo já bebeu, comeu, conversou e disse parabéns e foram embora para premiação ou para casa.
Quinto – De qualquer modo, são poucos os amadores que se conformam com a lentidão. Uns por causa da idade, doenças e outros pela preguiça mesmo. Todos acham que podem melhorar e isso é importante no meu caso. Eu crio a esperança de um dia vir a ser o número um, mas enquanto isso não acontece já treinei minha filha de dez anos e minha esposa para responderem às perguntas: seu pai ou marido ganhou a prova hoje? Elas respondem “completar a prova já é uma vitória suficiente!” Apesar disso, tenho de admitir que quando as escutei dando essas respostas não me pareciam muito convincentes e, às vezes, há os insistentes, qual foi à colocação? E elas dizem: “rabogésimo”.

Referência Bibliográfica
DOMINGUES FILHO, L. A – Triathlon: treinamento & marketing – Fontoura, Jundiaí, 2001.